Da série “só acontece comigo”: estava parada nu sinal da
avenida Ipiranga quando um carro encostou ao lado do meu. A motorista abriu a janela e pediu para eu
abrir a minha. Era uma moça simpática
que me perguntou: “Martha, o certo é
dizer perda ou perca?”
“Hãn?”
“É perda de tempo ou perca de tempo? Como se diz?”
a pergunta era tão inusitada para a hora e o local, tão
surpreendente, vinda de alguém que eu não conhecia, que me deu um braço: por um
milésimo de segundo eu não soube o que responder. Perca de tempo, isso existe? Então o sinal
abriu, os carros da frente começaram a engatar a primeira, eu olhei para ela e
disse: “É perda de tempo.”
Dei uma risada e segui meu rumo também.
Se alguém te diz “não perca tempo”, e todos te dizem isso o
tempo todo, como não confundir o verbo com o substantivo? Tantos confundem. São coagidos a tal.
E cá entre nós, a “perca” parece mais amena do que a perda.
A perca de um amor é quase tão corriqueira como a perca do
capítulo da novela. A perca é feira
livre. A perca é festiva. A perca é música popular.
Já a perda é sintonia de Beethoven.
A perca acontece no verão.
A perca de uma cadeirinha de praia, a perca de um palito premiado de
picolé.
As perdas acontecem no inverno.
A perca é simplória, a perca é distraída, a perca é
provisória, logo, logo reencontrarão o que está faltando.
A perda é pra sempre.
As percas reinventam o vocabulário e seu sentido, não são graves,
as percas são imperfeições perdoáveis, as percas são inocentes.
As perdas são catastróficas, nada têm de folclóricas.
A perca é um erro gramatical, e apenas esse erro ela
contém. De resto, não faz mal a ninguém.
A perda é um acerto gramatical, mas só esse acerto ela
contém. De resto, é brutal.
Se eu pudesse voltar no tempo, reconstituiria a cena de
outra forma:
“Martha, é perda de tempo ou perca de tempo? Como é que se diz?”
“ O correto é dizer perda, mas é muito solene. Perca dói menos por ser mais trivial.
Martha Medeiros
a PERCA
a PERDA
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